"O texto abaixo é uma versão editada de fragmentos retirados do livro “Os Mensageiros”, de Chico Xavier, por André Luiz, Editora FEB.
Trata-se de relatos nos quais médiuns desencarnados que falharam em suas
missões e, de volta ao Nosso Lar, apresentam reflexões oportunas a todos nós.
Livremente editado por Alexandre Cumino."
PRIMEIRO CASO
“Aos vinte anos de idade fui
chamado à tarefa mediúnica… A vidência, a audição e a psicografia que o Senhor
me concedera, por misericórdia… Entretanto, apesar das lições maravilhosas de
amor evangélico, inclinei-me a transformar minhas faculdades em fonte de renda
material… Não era meu serviço igual a outros? Não recebiam os sacerdotes
católicos-romanos a remuneração de trabalhos espirituais e religiosos? Se todos
pagávamos por serviços ao corpo, que razões haveria para fugir ao pagamento por
serviços à alma?
Debalde, movimentaram-se os
amigos espirituais aconselhando-me o melhor caminho. Em
vão, companheiros encarnados chamavam-me a esclarecimento oportuno. Arbitrei o preço das consultas, com
bonificações especiais aos pobres e desvalidos da sorte, e meu consultório
encheu-se de gente.
SEGUNDO CASO
Grande número de famílias
abastadas tomou-me por consultor habitual para todos os problemas da vida. As
lições de espiritualidade superior, a confraternização amiga, o serviço
redentor do Evangelho e as preleções dos emissários divinos ficaram à distância.
Não mais a escola da virtude, do amor fraternal, da edificação superior, e sim
a concorrência comercial, as ligações humanas legais ou criminosas, os
caprichos apaixonados, os casos de polícia e todo um cortejo de misérias da
Humanidade, em suas experiências menos dignas… E transformei a mediunidade em fonte
de palpites materiais e baixos avisos.
– Mas a morte chegou… a ronda
escura dos consulentes criminosos, que me haviam precedido no túmulo, rodeou-me
a reclamar palpites e orientações de natureza inferior. Queriam notícias de
cúmplices encarnados, de resultados comerciais, de soluções atinentes a
ligações clandestinas. Gritei, chorei, implorei, mas estava algemado a eles por
sinistros elos mentais…
TERCEIRO
CASO
Fiz quanto pude – exclamava uma
velhinha simpática para duas companheiras que a escutavam atentamente –… mas… e
o marido? Amâncio nunca se conformou. Se os enfermos me procuravam no
receituário comum, agravava-se-lhe a neurastenia; se os companheiros de
doutrina me convidavam aos estudos evangélicos, revoltava-se, ciumento. Que
pensam vocês? Chegava a mobilizar minhas filhas contra mim. Como seria
possível, em tais circunstâncias, atender a obrigações mediúnicas?
Todavia – ponderou uma das
senhoras que parecia mais segura de si –, sempre temos recursos e pretextos
para fugir às culpas. Encaremos nossos problemas com realismo. Há de convir
que, com o socorro da boa vontade, sempre lhe ficariam alguns minutos na semana
e algumas pequenas oportunidades para fazer o bem. Para trabalharmos com
eficiência – tornou a companheira, sensata, - é preciso saber calar, antes de
tudo. Teríamos atendido
perfeitamente aos nossos deveres, se tivéssemos usado todas as receitas de
obediência e otimismo que fornecemos aos outros.
Não executei minha tarefa
mediúnica em virtude da irritação que me dominou, dada a indiferença dos meus
familiares pelos serviços espirituais. Nossos instrutores, aqui, muito me
recomendaram, antes, que para bem ensinar é necessário exemplificar melhor.
Entretanto, por minha desventura, tudo esqueci no trabalho temporário da Terra.
Não suportava qualquer parecer
contrário ao meu ponto de vista, em matéria de crença, incapaz de perceber a
vaidade e a tolice dos meus gestos. Preparei-me o bastante para resgatar
antigos débitos e efetuar edificações novas; contudo, não vigiei como se
impunha. O chamamento ao serviço ressoou no tempo próprio, orientando-me o
raciocínio a melhores esclarecimentos; nossos instrutores me proporcionavam os
mais santos incentivos, mas desconfiei dos homens, dos desencarnados e até de
mim mesma. Nos estudiosos do plano físico, enxergava pessoas de má fé; nos
irmãos invisíveis, presumia encontrar apenas galhofeiros fantasiados de
orientadores e, em mim mesma, receava as tendências nocivas. Muitos amigos
tinham-me em conta de virtuosa, pelo rigor das minhas exigências; todavia, no
fundo, eu não passava de enferma voluntária, carregada de aflições inúteis…
[…] o receio das mistificações prejudicou minha bela oportunidade.
– É, minha amiga – tornou a
interlocutora –, é tarde para lamentar. Tanto tememos as mistificações, que
acabamos por mistificar os serviços do Cristo.
QUARTO
CASO
- Faltou-me o amparo da esposa.
Enquanto a tive a meu lado, verificava-se profundo equilíbrio em minhas forças
psíquicas. A companhia dela, sem que eu pudesse explicar, compensava-me todo
gasto de energia mediúnica. Minha noção de balanço estava nas mãos de minha
querida Adélia. Esqueci-me, porém, de que o bom servo deve estar preparado para
o serviço do Senhor, em qualquer circunstância…
Quando
me senti sem a dedicada companheira, arrebatada pela morte, amedrontei-me, por sentir-me em
desequilíbrio e, erradamente, procurei substituí-la, e fui acidentado.
Extremamente ligada a entidades malfazejas, minha segunda mulher,
com os seus desvarios, arrastou-me a perversões sexuais de que nunca me
supusera capaz. Voltei, insensivelmente, ao convívio de criaturas perversas e,
tendo começado bem, acabei mal.
QUINTO
CASO
No quadro dos meus trabalhos
mediúnicos, estava a recordação de existências pregressas mas existe uma
ciência de recordar, que não respeitei como devia. Sentia,
intuitivamente, a vívida lembrança de minhas promessas em “Nosso Lar”. Tinha o
coração repleto de propósitos sagrados. Trabalharia. Espalharia muito longe a
vibração das verdades eternas. Contudo, aos primeiros contatos com o serviço, a
excitação psíquica fez rodar o mecanismo de minhas recordações adormecidas,
como o disco sob a agulha da vitrola, e lembrei toda a minha penúltima
existência, quando envergara a batina, sob o nome de Monsenhor Alexandre
Pizarro, nos últimos períodos da Inquisição Espanhola.
SEXTO CASO
Foi, então, que abusei da lente
sagrada a que me referi. A volúpia das grandes sensações, que pode ser tão
prejudicial como o uso do álcool que embriaga os sentidos, fez olvidar os
deveres mais santos… não estava satisfeito senão com rever meus companheiros
visíveis e invisíveis, no setor das velhas lutas religiosas. Impunha a
mim mesmo a obrigação de localizar cada um deles no tempo, fazendo questão de
reconstituir-lhes as fichas biográficas, sem cuidar do verdadeiro
aproveitamento no campo do trabalho construtivo.
“A audição psíquica
tornou-se-me muito clara; entretanto, não queria ouvir os benfeitores
espirituais sobre tarefas proveitosas e sim interpelá-los, ousadamente, no
capítulo da minha satisfação egoística. “Não faltaram generosas advertências”. Mas,
qual! Eu não queria saber senão das minhas descobertas pessoais.
SÉTIMO CASO
“Tínhamos quatro reuniões
semanais, às quais comparecia com assiduidade absoluta. Confesso que
experimentava certa volúpia na doutrinação aos desencarnados de condição
inferior. Para todos eles, tinha longas exortações decoradas, na ponta da
língua. Aos sofredores, fazia ver que padeciam por culpa própria. Aos
embusteiros, recomendava, enfaticamente, a abstenção da mentira criminosa. Os
casos de obsessão mereciam-me ardor apaixonado. Estimava enfrentar obsessores
cruéis para reduzi-los a zero, no campo da argumentação pesada. Somente aqui, de volta, pude
verificar a extensão da minha cegueira.
“Por vezes, após longa
doutrinação sobre a paciência, impondo pesadíssimas obrigações aos
desencarnados, abria as janelas do grupo de nossas atividades doutrinárias para
descompor as crianças que brincavam inocentemente na rua. Isso, quanto a coisas
mínimas, porque, no meu estabelecimento comercial, minhas atitudes eram
inflexíveis. Raro o mês que não mandasse promissórias a protesto público.
Lembro-me de alguns varejistas menos felizes, que me rogavam prazo, desculpas,
proteção. Nada me demovia, porém. Os advogados conheciam minhas deliberações
implacáveis. Não conseguia perceber que a existência terrestre, por si só, é
uma sessão permanente.
Passei para cá, qual demente
necessitado de hospício. Tarde reconhecia que abusara das sublimes faculdades
do verbo. Como ensinar sem exemplo, dirigir sem amor? Entidades perigosas
e revoltadas aguardaram-me à saída do plano físico…
[…] alguns bons amigos me trouxeram até aqui. E imagine o irmão
que meu Espírito infeliz ainda estava revoltado.
– Desde então, minha atitude
mudou muitíssimo, entendeu?
“... a multiplicidade de
fenômenos e as singularidades mediúnicas reservam surpresas de vulto a qualquer
doutrinador que possua mais raciocínios na cabeça que sentimentos no coração.”
Texto original neste link: http://zip.net/btrCgN