sábado, 20 de fevereiro de 2016

Espiritismo com espíritos, por Yvonne Pereira


“Que se deve pensar da opinião dos que consideram profanação as comunicações com o além-túmulo?”

“Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação seja praticada respeitosa e convenientemente. A prova de que assim é tendes no fato de que os Espíritos que vos consagram afeição acodem com prazer ao vosso chamado. Sentem-se felizes por vos lembrardes deles e por se comunicarem convosco. Haveria profanação, se isso fosse feito levianamente.”

O Livro dos Espíritos
Questão 935

Em encontro fraterno com Yvonne do Amaral Pereira, por aqui na erraticidade, tivemos a honra de ser portador de um carinhoso pedido seu para com a mediunidade. Assim, transcrevemos as palavras da inesquecível intérprete da célebre obra “Memórias de um Suicida”:

“Um olhar minucioso na história será o bastante para constatarmos a razão dessa belíssima questão, formulada por Allan Kardec à sublime “Equipe Verdade”.

“Em todas as épocas, a comunicação com os “mortos” sofreu açoites e reproches por parte dos “gênios das trevas”, por uma única razão: a Verdade.

“As “furnas do mal” sabem que a única forma de dominar a humanidade terrena será manter o homem no materialismo, na ilusão, e, por esse motivo espúrio, consomem seus dias em planos nefandos objetivando ocultar a imortalidade. Desde as proibições no velho testamento até o momento presente, percebe-se claramente a infeliz intenção de empanar a inexistência da morte, mantendo os homens na ignorância. 

“A luz meridiana do Espiritismo, porém, destruiu as frias lápides e descerrou os portais da vida espiritual, conclamando a humanidade a um novo e mais lúcido estágio: a Era do Espírito.

“A história... Ah! a história... Mesmo dentro das fileiras do Consolador, os fatos nem sempre caminharam em identidade com essa Verdade. Foi preciso um futuro (o nosso presente hoje) para avaliarmos seus reflexos, suas conseqüências...

“O iniciar do século XX deflagrou uma farta fenomenologia nos rincões espíritas. Muita vez excedendo seus limites educativos, surgiram espetáculos e fantasias...

“Logo a seguir, espíritas, conscientes e embasados no “guia dos médiuns e evocadores”, estimularam medidas cautelares para um exercício seguro e produtivo em razão dos abusos. O inesquecível Leopoldo Machado, um dos mais vivazes espíritas que a seara já teve o ensejo de conhecer, lançou um lema oportuníssimo: “Espiritismo de Vivos”, e trabalhou árdua e proficuamente nesse propósito; os jovens ganharam apoio integral e nasce uma nova etapa. As reuniões de intercâmbio com o além foram incentivadas a uma maior privacidade, além da que já possuíam; foi quando passamos a ler, com freqüência, as placas indicadoras “reunião privativa” nos centros espíritas de todo o país, cujo nome mais adequado seria “reuniões isoladas”, em função da sua desfiguração junto ao complexo de atividades nas casas em que se efetuavam. Nenhum vínculo, praticamente, era estabelecido com o grupo carnal das nobres instituições; passavam-se às “ocultas” sem que ninguém soubesse das práticas ali exercidas, recordando os velhos templos iniciáticos do esoterismo. Adornavam a vaidade de alguns e, com isso, perdiam sua função magnânima de colocar os mortais em contato com sua pátria de origem...

“Mais adiante, alguns companheiros mais contestadores fizeram apologia às reuniões totalmente públicas, com fito de romperem com os prejuízos dos “ensinos secretos” que avassalaram vários grupos.

“Concomitantemente, a riquíssima literatura mediúnica inundou os ambientes espíritas de reflexões e estudo, deixando mais claro ainda o quanto as forças psíquicas carecem de bases apropriadas, a fim de atingirem fins libertadores. Normas são expedidas sem muita profundidade de avaliação. Ocorreu uma mais acentuada “reclusão coletiva” na mediunidade, através de novas proibições. A psicografia pública, o receituário, as manifestações de benfeitores nos “cultos” no lar e outras tantas expressões de liberdade com responsabilidade, de medianeiros seguros, são tomadas como desajustes - o cerceamento foi insensato. 

“Levantaram-se bandeiras que elencavam a “sofrível dependência dos Espíritos”, sendo que a insensatez apostou na solução de ignorá-los, para preservar os homens do engodo. A palavra mistificação e animismo tornaram-se as senhas dos artífices dessa etapa. Tão grande receio foi incutido sobre essas temáticas, que muitos abandonaram o intercâmbio em razão de encontrarem-se em fulminante obsessão, segundo suas precipitadas aferições pessoais. Jovens desejosos de integrar a escola das comunicações espirituais são afastados, com teorias psicológicas e teses sem fundamentação lógica. Assim, mais uma vez, a inferioridade humana, indevidamente, por despreparo para as “coisas santas”, adapta os excelsos ensinos das vozes do além-túmulo às conveniências pessoais da hora, passando de geração em geração os métodos e idéias que não foram cravejados pelo crivo do bom senso. O purismo doutrinário tornou-se um “cânone intocável”, e as seqüelas dessas medidas levadas a efeito pelos idos das décadas de 40 a 60 são visíveis até nos dias atuais. 

“Ressumam os reflexos dessa cultura cerceadora: a instituição! Mais uma vez o institucionalismo! Dessa vez no que há de mais nobre e Divino: a mediunidade. Medidas disciplinares, que deveriam servir apenas como normas educativas, terminaram por institucionalizar o intercâmbio com os “mortos”. 

“Instituíram-se costumes estranhos a uma prática mediúnica espontânea, saudável e livre. Temos uma “nova proibição”, um “novo golpe”, sutil, ardiloso, avalizado por um purismo que mais dogmatizou os celeiros espíritas que, propriamente, os auxiliou a manterem o Espiritismo “nos trilhos” como muitos, infelizmente, defendem. Saiu-se do extremo do abuso e entrou-se no extremo do medo. Medo de lidar com as questões da alma, e em razão desse medo dominante e quase coletivo, percebe-se o lamentável estágio de preciosismo mediúnico em nome da prudência!

“A título de disciplina foram estabelecidos caminhos para banir a curiosidade, confinando, cada vez mais, o exercício mediúnico a lugares específicos e com ascendência ao socorro dos sofredores.

“Fatos inconciliáveis com a lógica do pensamento Kardequiano foram formalizados como, por exemplo, médiuns que recebem “Espíritos de luz” e “médiuns que recebem sofredores”, dando a impressão que o psiquismo dos medianeiros tem compartimentos para fins específicos, não existindo a possibilidade dos contrários se definirem em uma só mente. São as invencionices, muito bem explicitadas pelo codificador; sofismas que são “soprados” pelas “falanges do estacionamento”, os “mentores intelectuais do retardo” e da inépcia. 

“Assim, boa parcela dos cooperadores espíritas não tem acesso aos horizontes da imortalidade, no que tange às suas atuais vivências. Estuda-se Espiritismo, pratica-se a caridade, respira-se o clima dos ambientes doutrinários, sem a sublime concessão de vislumbrar, pelos sagrados portais da mediunidade, a movimentação do plano espiritual em torno dos passos de quantos aderem e colaboram com a consoladora causa dos Espíritos...

“É o Espiritismo sem Espíritos, longe da proposta dignificadora lançada pelo incomparável Leopoldo Machado, quando conclamou o seu “Espiritismo de Vivos”, porque em tempo algum ele desdenhou o contato com os Espíritos, chegando mesmo a enaltecer a bênção imerecida de suas companhias.

“Sem quaisquer contrapontos ao grande idealista da mocidade espírita, elencamos para a hora que passa um novo lema: Espiritismo com Espíritos.

“Nem dependência e acomodação, nem receio e preciosismo; parceria, eis a proposta.

“Trabalho conjunto. Um engenho que funcione na interação dos passos entre homens e Espíritos, aproximando-nos nos serviços do bem e do amor. 

“Nem fenômeno irretorquível e comprovador como prioridade, nem, tampouco, a ausência de provas irrecusáveis da autenticidade mediúnica.

“Que os centros espíritas abram suas portas espirituais para a vida exuberante do mundo espiritual, preparem seus médiuns ao desiderato. Evangelho no coração, Espiritismo no cérebro, o bem na ação, sem medo de titubear.

“A prática mediúnica pode ser considerada como excelente termômetro dos recursos do centro espírita. A ampliação de sua feição operacional poderá atingir níveis de extraordinária e oportuna parceria, levando integrantes dos grupos doutrinários a valorosas conquistas de despertamento e conscientização nos rumos do crescimento íntimo.

“A riqueza e utilidade dessas vivências entre os dois mundos será aferida pelo desapego. Dizem os Espíritos que “À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais.” Portanto, quanto mais pudermos, ensejemos, aos freqüentadores e trabalhadores efetivos de nossas casas de amor, a bênção de experienciarem o que seja a ação dos desencarnados, permitindo-lhes entrever pelas “frestas medianímicas” qual é o modus operandi, as ciladas, os resultados e as comoções existentes e defluentes da vinculação mental, em ambas as esferas de vida. Aprenderão, assim, a maior vigilância, os cuidados indispensáveis na conduta, terão maior amplitude de visão sobre sua reencarnação, reverão velhos amigos que partiram, estabelecerão conúbios gratificantes com benfeitores, terão a alegria de cooperar no bem dos credores de outras eras, e, mais que tudo, passarão a analisar o mundo e os homens “ao longe e distintamente a todos”, como na inspirada fala de Jesus ao cego curado pelas Suas Augustas Mãos.(40)

“O Espiritismo prático, a exemplo do sucedido com o ilustre codificador, ainda que palmilhado na seriedade e nobreza de intenções, não exclui o risco; e para não sofrer esse risco, muitos co-idealistas têm cerceado o que de mais nobre pode existir na transposição entre dois mundos: a espontaneidade.

“O risco da interação mediúnica constitui-se na própria experimentação. A cultura “assistencialista-socorrista” impede seus méritos e sucessos...

“Instauremos o tempo da mediunidade consciente de lucidez moral e estado mental ativo, parceira, jamais propondo a paralisação ou mesmo a suspensão temporária do intercâmbio mediúnico mas, sim, as reavaliações sinceras e benfazejas nos grupos em andamento, e, igualmente, um preparo nos grupos em formação.

“Que fazer para resgatar o tempo da mediunidade livre com responsabilidade? Que caminhos devem perseguir as casas doutrinárias para adequarem-se à era do Espiritismo com Espíritos? Longe de “uniformidade das práticas”, advogada por corações bem intencionados mas ingênuos, convoquemos os grupamentos ao imperioso caminho de descobrirem suas “missões”. Cada conjunto tem sua tarefa, sua necessidade, sua possibilidade. A beleza da reunião de pessoas está em não ter obrigatoriedade de ser igual, todavia, apenas ser. A diretriz é única: Evangelho e Espiritismo; quão bom será, no entanto, quando as agremiações, imbuídas de destemor, arrojarem-se a “talharem sua personalidade”, descobrindo, em parceria com as vozes imortais, o que juntos podemos criar na obra do Pai! 

“Adotemos os critérios que nortearam as pesquisas do Espiritismo nascente: seleção por afinidade, crença, bom senso, desejo sincero de aprender, seriedade e a “espontaneidade evocativa”.

“Temos em mãos, nos dois mundos, os instrumentos imprescindíveis para a realização plena do exercício seguro; falta, sobretudo a vós outros, a coragem e o discernimento...

“Duas marcas não devem ser esquecidas no tempo: o Pentecostes e as irmãs Fox. A primeira foi a consagração das “línguas mediúnicas” chamando os povos daquele tempo em direção à imortalidade, e a segunda foi o clamor dos céus, depois da “época escura” da humanidade, conclamando a terra inteira a sondar as “fronteiras desconhecidas”.

“Até que a ciência inaugure a estrada da aceitação e implemente o “tempo social” dos Espíritos entre os homens, continuemos marchando, paulatinamente, e sem cessar, nos rumos da vida fora da matéria, encontrando-nos, desde já, em plena reencarnação, com os entes queridos que já partiram, fazendo luzir em nossas vidas, por antecipação, a plenitude da imortalidade, conforme asseveram os “sábios luminares” na excelente indicativa: “Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando a evocação seja praticada respeitosa e convenientemente.”

Livro Unidos pelo Amor, segunda parte, cap. 19, pág. 193.
2ª edição, Editora Inede. 
Autor: Ermance Dufaux e Cícero Pereira / médium Wanderley Oliveira.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Mediunidade e racionalização - caminho da mistificação

Na tentativa de evitar os excessos da imaginação em torno das questões da mediunidade, os espíritas armaram-se de cuidados tais que acabaram racionalizando por demais a prática mediúnica. Esquecem-se de que o intelecto ainda é órgão dos sentidos e, para os espíritos sagazes, os sentidos representam o campo de ação, através dos quais eles se conectam com os médiuns.

Na tentativa de tudo explicar em relação aos fenômenos, os médiuns não encontram a ocasião de serem testados na fé ou de passarem pelas aferições do coração, estas sim, mais apropriadas para validar o que é de ordem espiritual.

Ao perceber a preocupação dos espíritas em fomentar o racionalismo como meio de conter possíveis excessos do fanatismo, os espíritos viram nisso oportunidade de insuflar o mal através do bem aparente. Eles estimularam o rigor disciplinar na tentativa de fazer com que os médiuns, empenhados em manter-se alerta para evitar as mistificações, deixassem de aprofundar o processo de autoconhecimento. E isto é o que representa o meio mais seguro, capaz de evitar que o médium seja mistificado. 

Os médiuns ocuparam-se no sentido de aprender a identificar os meios possíveis pelos quais poderiam vir a ser confundidos. Entretanto, esqueceram-se de que, sem que conheçam profundamente o próprio mundo interior, continuam à mercê dos espíritos que desenvolvem métodos cada vez mais sutis de aproximação.

Isso contribui para a triste situação que atinge grande número de reuniões espíritas. Espíritos fazem-se passar por trabalhadores do Cristo, quando, a bem da verdade, são mentes engenhosas, capazes de enganar até os mais experimentados. Os mais ludibriados são, quase sempre, aqueles que acreditam no vasto conhecimento já adquirido com estudos conceituais, como sendo suficiente para livrá-los do embuste.

Falta-nos ainda a fé que leva o espírito a transpor a barreira que o separa da verdade. Essa fé, capaz de remover montanhas e obstáculos, podemos encontrar em alguns personagens do Evangelho, a exemplo da mulher hemorrágica que, desejando curar-se, venceu a própria inércia, rompeu com as convenções e foi ao encontro dos recursos de que necessitava para curar-se. Ela rompeu com a passividade para tornar-se protagonista da própria existência. Isso é algo que o Alto espera dos medianeiros conscientes do papel que lhe compete. (...)

Trecho do capítulo 3, "A disputa pela posse da verdade", páginas 41 a 43
Livro: Mediunidade sem Fronteiras, autora: Fátima Ferreira
Editora Inede